terça-feira, 26 de outubro de 2010

as mil e um noites - conto de uma Sherazaade

AS MIL E UMA NOITES

Conto popular
Artigo terapêutico desenvolvido por Priscila Martins


Esta foi uma estória que li quando criança e aprendi a contá-la à minha maneira.

“ Era uma vez um sultão jovem e apaixonado pela sua amada. Não que ele não tivesse se empolgado por outras, mas “ela-era-a-sua-cara-metade”, a “mulher-da-sua-vida”,
Afinal, precisamos de um ator para nossas personagens. O teatrólogo Stanislaviski diz que toda persona precisa vir à vida.
O Sultão deu vida à sua, escolheu a mulher dos seus sonhos.
Uma música do Zé Ramalho diz que “ninguém sabe onde a felicidade está” ( música sinônimos). Mas precisamos de sentidos, e o Sultão achava que era naquela mulher que estava o seu.
Foi o mais lindo casamento que o Oriente já viu...
Toda a riqueza do seu Império era adorno para ela, não era mais uma, era a Única.
Aquela que passou anos habitando seu imaginário, sonhos e ideais... Agora estava lá, viva, de carne e osso... Ela existia...
Mas o Sultão não se deu conta que Ela não saiu da sua imaginação... Ela era real e ... imperfeita...
Ele só percebeu isto quando a viu belamente destruída pela realidade da traição. Pela existência humana do erro e do pecado. Ela foi vista por ele sendo envolvida por braços e lábios masculinos que não eram os seus. A sua esposa nunca foi sua.
Zé Ramalho diz ainda nesta música Sinônimos; “como é triste a tristeza mendigando um sorriso”.
O Sultão não sentia ódio, sentia pena de si mesmo, inveja daquele que a envolvia.
Este sentimento dilacerava mais que tudo e ele optou pelo bálsamo do ódio. Era mais ameno. Então chamou seus homens e ordenou o fim da dor:
Ela deveria ser morta junto com seu amante. O sultão, com isto enterrou seu coração, sonhos e capacidade de amar.
**************

O Sultão abriu as cortinas para a nova fase de sua vida, Após o luto por si mesmo, decidiu-se pela luxúria. Não levaria nenhuma mulher a sério, todas afinal, tinham a mesma essência. Podiam mudar as fragâncias, mas lá estava ela: a essência básica da dissimulação, da sedução.
Viver sem elas seria impossível, pois era um homem.
Como resolver a situação?
Com a ajuda do chefe da guarda resolveu a questão: casaria-se somente por uma noite e após as núpcias, o chefe da guarda mataria a noiva como matou sua amada. E o anel do casamento passaria para sua próxima pretendente. Ele as amaria intensamente só por uma noite, pois elas não mereciam mais que isto.
E por muitos anos as jovens do Império foram amadas e mortas em uma única noite,. Quando não haviam mais nobres, buscou as moças simples da redondeza.
Até se deparar com uma bela jovem da qual desejou prontamente se casar. Como casar-se com o Sultão não era um pedido, mas uma ordem, todos sabiam o que significava: morte ao amanhecer. A bela jovem chorou quando soube da notícia.
Como é dialético algumas situações na nossa vida, às vezes o que mais desejamos é o que mais nos escraviza.
A bela jovem desejava se casar, mas não queria morrer.
Sua família chorou.
Sua irmã mais velha tomou uma atitude pela família.
Uma música do Skank diz:”queria te ajudar, mas a estrada só existe quando você passa”. Algumas decisões que tomamos pode mudar não somente nossa trilha, nosso caminho, mas de nossa família, de nossos queridos filhos, irmãos, pais ...
Foi assim que Sherazaade mudou a história de muitas pessoas quando decidiu por morrer no lugar de sua irmã, a bela jovem.
No dia do Sultão formalizar o pedido, Sherazaade pediu uma contraproposta: que ela assumisse o lugar da irmã e só depois, na noite seguinte, ele desposasse sua irmã, quando ela já estivesse morta.
O Sultão não viu problema nisto, ambas iam morrer mesmo. Sherazaade não era tão bela e interessante quanto a irmã, mas podia esperar mais uma noite pra tê-la. Proposta aceita.
O pai das moças chorava mais ainda, agora em vez de uma , perderia duas filhas.
Mas Sherazaade não estava com medo. É estranho a palavra confiança. Fé. Esta palavra diferencia as mulheres guerreiras das princesinhas.
As guerreiras tem tanto medo quando as demais, mas caminham mesmo assim. Elas usam seus próprios cabelos como cordas, seu corpo como escudo, sua voz como espada, seus pés como veículos, sua inteligência como direção, sua fé em algo maior como guia.
As princesinhas esperam que alguém as salvem, as tirem do lamaçal, as regatem delas mesmo.
Por isto Sherazaade estava calma; ela era uma guerreira.
O dia do casamento foi de muita tristeza., mas de indiferença para o Sultão.
Quando anoiteceu, o Sultão leva Sherazaade para sua rica e magnífica tenda. Seu chefe de Guarda se posiciona para quando amanhecer decepa-la e arrancar-lhe o anel que passaria para sua irmã.
Sherazaade pede-lhe que antes de viverem a noite de núpcias, ele pudesse ouvir uma estória intrigante e misteriosa.
O Sultão não se animou em querer ouvir uma história, mas a palavra intrigante, misteriosa excitou seus ouvidos e ele passou então a dar uma chance de ouvi-la.
Sherazaade passou a contar-lhe estórias e quando ele se deu conta, o dia amanhecia. Não eram tanto as estórias, era a maneira como ela contava. Quando amanheceu ... ele queria mais ...
E agora? Mata-la ou ouvir mais estórias?
Há momentos que nos deparamos com dúvidas nas nossas escolhas e cada opção tem um preço a pagar. O Sultão pagou o seu, deixou-a viva por mais uma noite.
E lá se foi mais uma noite, mais uma estória, mais uma noite, mais outra estória ...
E ele ainda não tinha percebido que vivia sua noite de núpcias: era tocado pelas palavras de Sherazaade, beijado por suas estórias, curado pelo amor de seus personagens.
E se passaram mil e uma noite de estórias. Ele já não podia mais mata-la. Não estava apaixonado, estava amando aquela mulher comum que passaria despercebida por ele, se não fosse por suas histórias. Ele finalmente estava curado.

Sherazaade representa as mulheres comuns que não tem cabelo de rainha, corpo de princesa e rosto de bonequinha. Mas tem o olhar da experiência, as rugas da vida, as palavras na boca e as histórias nos pés.
Há mulheres que nasceram para ler historinhas...
Há mulheres que nasceram para escrever historinhas...
E há as Sherazaades, mulheres que nasceram para serem escritas; sobre as histórias que construíram e viveram...
As mulheres Sherazaades são descobertas .
O verdadeiro amor é descoberto e pode levar anos. Viva suas histórias e ouça ... Numa destas, você vai reconhecer sua Sherazaade.

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