quarta-feira, 17 de novembro de 2010

– SER BRINQUEDO



Ela gostava de ficar até tarde na rua brincando com seus amigos. Cada um trazia um brinquedo e lá criavam um mundo de fantasias.
Os meninos com seus carrinhos e bicicletas e as meninas com suas casinhas e bonecas. Vez por outra algum garoto derrubava alguma boneca e vinha o choro seguido de uma voz de dentro da casa a gritar que se tivesse briga, todo mundo entrava.
Por causa de uns, todos corriam riscos. Então, não era simples brincadeira, era angústia, medo de que no melhor, por culpa de alguma chorona ou algum briguento, todos tivessem que entrar com seus brinquedos.
E assim, os fins de tarde para a noite e os fins de semana passavam. Nas férias podia ficar mais, mas no período escolar, as aulas atrapalhavam.
E na ambição infantil, sonhavam com o dia em que não precisariam mais ir para a escola e teriam todo o tempo do mundo para brincarem. O que ninguém contou para eles nesta época, é que quando o momento de acabar as aulas chegasse, também já havia passado bem antes disto a vontade de brincar. Afinal, na nossa sociedade, adulto não brinca com brinquedos infantis, só alguns que fazem de outras pessoas seus brinquedos pessoais.
Era sobre este papo que sua avó quis falar um dia.
Tudo por causa dela ter resolvido deixar suas bonecas para fora, num dia de chuva e elas quase estragaram. Sua avó limpou-as, trocou-lhes a roupa e deixou-as mais bonitas do que antes. O preço a pagar foi uma conversa séria com sua avó. Apesar do receio de que viria um sermão daqueles, sentou-se ao lado dela que passou a lhe contar uma estória:
“Era uma vez na floresta, um macaco muito feliz, muito comunicativo e que todos gostavam dele. Mas ele tinha um problema sério: não era dado a ouvir conselhos. Todos os finais de dias, havia na floresta um treinamento para os animais, pois em caso de incêndio, todos saberiam como se portar. Havia disciplina,regras e seqüências de repetições diárias que o macaco achava um absurdo. Já tinha participado das primeiras, ainda quando criança e de tanto ver, enjoou do blá...blá...blá... que não dava em nada. Afinal, nunca ocorreu um incêndio de verdade desde que estava vivo. Mas se precisasse, era só lembrar ...
Um ano mais tarde o macaco se viu frente a frente com o maior incêndio que se tinha notícias há décadas naquela região. Também se viu frente a frente com sua memória, mas na emergência da situação com o pavor das emoções, descobriu que ela não funcionava tão bem nestas condições. Os animais que diariamente treinavam, mais do que saber, desenvolveram uma estrutura por todos estes anos para suportar e resistir ao incêndio. E o macaco engoliu muita fumaça, não teve forças nos braços para escalar as árvores mais latas e impulso necessário para pular para outras de forma tão rápido, pois não treinou. Ele foi o único a morrer no incêndio”.

A avó abraçou a menina dizendo que a morte do macaco não se deu pelo fogo, mas pela soberba. Pois achava que já sabia tudo e lhe faltou humildade. O segredo da vida é o treino repetitivo que nos submetemos diariamente. Se ele tivesse treinado no mínimo, teria conseguido no máximo.
Com muita delicadeza explicou à neta que cuidar dos seus brinquedos era o seu treino para aprender a lidar com o mundo e a sobreviver nele.
Se ela não tiver como treino o cuidado diário, o carinho, o amor e respeito pelos objetos que tem, quem dera com coisas maiores.
Disse-lhe ainda que seus brinquedos eram sua primeira relação afetiva com o mundo. Sua chance de treinar qualidades e desenvolver habilidades ao tratar outras pessoas, para não correr riscos mais tarde de fazer delas seu brinquedo e acabar brincando com suas vidas e sentimentos.
Esta menina aprendeu com sua avó carinhosa que mesmo quando o mundo faça de nossas mais preciosas emoções seu brinquedo predileto; que mesmo quando aqueles que mais amamos brinquem com nossa confiança e respeito, temos um Criador que nos deixou exemplos de um treinamento que nos salva: os gestos de amor que ainda presenciamos na vida.
Por isto, não podemos desperdiçar tempo sem treinar. Pois amanhã o mundo pode incendiar nossa vida, derrubando tudo o que temos e talvez a única coisa que sobreviva em nós é a estrutura de sabermos que somos melhores que o mundo, por termos a sabedoria de tratar a tudo e a todos com amor.


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

REVELAÇÕES


O Espelho e a Verdade se casaram há muitos anos, mas nem sempre era uma relação harmônica. Eles sobreviviam de revelar às pessoas o que verdadeiramente eram. E aí morava a raiz do problema do casal, cada dia que passava, menos as pessoas queriam saber sobre suas essências.
O mundo se tornava a cada dia mais um lugar perigoso para viver, muito mais ainda para se saber a verdade sobre si mesmo.
E as brigas do casal pioraram.
A Verdade quis dar um tempo na relação. Precisava respirar novos ares, conhecer pessoas, se redescobrir...
O Espelho teve uma crise de identidade, afinal quem era ele? Só exibia os outros e se perdia nas imagens que refletia.
A separação foi inevitável.
A Verdade quis recuperar a fase de solteira, sair com amigas para a balada, paquerar sem compromisso. Sua grande amiga, a Maturidade achava melhor ela rever o que estava fazendo, conversar com o espelho e recuperar seu casamento. A Verdade não quis ouvi-la, achou-a chata, precisava de amigas mais novas, mais divertidas e acabou conhecendo a Mentira.
Parecia ser a amiga ideal, divertida e sempre disposta a apóia-la.
Um dia, enquanto fazia comprar com sua nova amiga, entre uma loja e outra, cruzou com o Espelho. Só para esnobá-lo resolveu se espelhar e aproveitar para exibir sua nova amiga e nova vida.
___ Espelho meu, conheça minha nova amiga, a Mentira.
___ Quem é você?
___ Oras, sua ex-esposa. Não me reconhece mais? – Diz a Verdade toda entristecida.
___ Com esta sua amizade, só vejo a Hipocrisia. Minha ex-esposa se chama Verdade. Vocês são diferentes. Adeus.
E o Espelho a deixou.
Mas a Verdade queria mais amigos e conheceu o Medo. Ele era mais retraído, mas legal.
Voltou a procurar o Espelho, não iria desistir da idéia de esnoba-lo.
___ espelho meu, conheça meu novo amigo, o Medo.
___Quem é você?
___ Oras, sua ex-esposa! De novo não me reconheceu?!
___ Na minha frente, com esta amizade ao lado, só vejo a Ignorância. Vocês são diferentes, adeus.
Mas agora já era demais para a Verdade. Quanta insolência!
Iria expandir mais suas amizades e conheceu o Orgulho. Tão chique, tinha status e poder. Era com este que acabaria com o espelho e lhe faria muita inveja e ciúmes.
___ Espelho meu, conheça meu novo amigo, o Orgulho.
___ Quem é você?
___ Ah, não!! Ainda não me reconhece?
___ Na minha frente, com esta amizade ao lado, só vejo a Soberba. Vocês são diferentes, adeus.
A decepção da Verdade por não ter sido reconhecida pelo marido foi tão grande que chorou. E quando entrou em Depressão por causa disto, os novos amigos a abandonaram. Ela deixou de ser útil, não iriam ganhar mais nada ao lado dela.
Quem cuidou da Verdade e a ajudou a se restabelecer foi sua velha amiga, a Maturidade. Foi assim que percebeu quem realmente a amava. Percebeu que amigos mesmos podem discordar da gente, podem brigar com a gente, mas se jogam no buraco que já estamos só para nos fazer companhia, mesmo que não possam fazer nada para nos tirar dela. Foi isto que a Maturidade fez e a Verdade conseguiu se recuperar.
Quando estava melhor, a maturidade levou-a para tomar um sol na praça e ver gente, quando coincidentemente cruzou com o Espelho.
___ Espelho meu, você se lembra da minha velha amiga, a Maturidade?
___ Quem é você?
___ Ai que desgraça! Nunca mais você me reconhecerá!
___ Eu vejo à minha frente a mais linda jóia: a Sabedoria. É com esta que eu quero me casar.
___ Casar? Comigo? – a Verdade não cabia em si.
E na felicidade de reconhecer que não vivia sem seu Espelho, nem se importou dele não se lembrar dela. Só queria seu Espelho de volta e começar um novo casamento.
___ Eu sempre soube que era você, a Verdade o tempo todo. Nunca deixei de reconhece-la.
Num dia qualquer, o Espelho soltou esta frase quando a Verdade não esperava.
Ele continuou dizendo que nunca havia deixado de perceber que era ela , mas as novas amizades a transformavam e a Verdade se mostrava conforme a união que estabelecia. Disse ainda que sofreu muito com a ausência dela, pois descobriu que ao lado dela refletia a essência das pessoas e esta era a sua verdadeira identidade. Mas longe dela, só refletia a aparência. Passou a ter mais pessoas a procura-lo, mas descobriu que preferia a qualidade dos poucos na essência, do que os muitos na aparência.
E o casamento deles ficou mais fortalecido.
A verdade aprendeu que são nas vinculações das amizades que você se molda em formas que vão definir o rumo que vai tomar, as prioridades que vai ter e a quem vai se unir. Aprendeu acima de tudo a escolher quem deseja ter do seu lado.
E o espelho aprendeu que carregamos muito do outro em nós e muito de nós no outro. Que ser individual não quer dizer isolado. Portanto, não conseguimos viver tão afastados e sem necessidade do outro assim.
Espelho e Verdade juntos novamente.
Continuaram a ser pouco consultados, pois os humanos temiam saber a verdadeira essência que exalavam. Mas eles observaram que havia duas categorias de pessoas mais corajosas, mais estruturadas para suportarem saber quem realmente eram: as crianças e os loucos.
E estes passaram a ser admirados pelo casal, pela humildade com que aceitavam sua imagem refletida, mas com a sinceridade de quem sabiam que podiam brincar com ela, que podiam modifica-la e se melhorar como gente.
Os humanos normais e sensatos tem muito a aprender com eles.



segunda-feira, 8 de novembro de 2010

UM AMOR SEM IGUAL

Esta é uma daquelas estórias em que a gente se pergunta: como foi que este amor começou? Como ela não parou enquanto era tempo? Como ela não viu que não ia dar certo? Como foi se apaixonar justamente por ele?
Mas aconteceu, nem ela soube explicar como se envolveu, nem ele soube dizer algo que justificasse sua rejeição.
Mas aconteceu.
A água se apaixonou pelo fogo.
Mas o fogo... Ele nem reparou nisto.
Tudo começou no dia em que a água perambulava pelos matos, circulando árvores, descendo em pequenos penhascos e se chamando cachoeira, com sua corrida alegre que chamam de correnteza. Ela também é chamada de maré pelos amigos. Ela carrega a vida aquática, é vaidosa, por isto brilha aos raios do sol. Ele a namora com os olhos há muito tempo, mas ela ainda não está pronta para vê-lo. Sente seu calor protetor e se faz bonita ao pôr do sol.
Sua amiga, a lua, sempre lhe chama sua atenção para a realidade, para deixar de ser tão sonhadora e a esfria para se dar conta de que a vida não é brincadeira. E é nas noites de luar que a água se faz realística e gelada.
Mas um casal sempre a visita: o vento e a chuva. Quando eles aparecem, gostam de vê-la em movimento, apreciam sua dança. Às vezes, juntos fazem uma dança suave, às vezes botam pra quebrar e dançam a tempestade.
A vida da água estava em paz quando ele chegou. E chegou como um raio a cair em seu leito e aquela descarga elétrica fez com que a água acordasse para as emoções, mas dormisse para a razão.
Ela passou a desejá-lo. E ele? Ele a achou engraçada e fez dela seu brinquedo.
Quando estava entediado, se aproximava para aquecê-la, para vê-la sofrer por estar perto.
Mas ele sabia que jamais ficariam juntos. Pois são de natureza diferente. Ele se apaga perto dela e no fundo, ela lhe dava medo. A água tinha uma força que o fogo nunca entendeu. Ele só tinha esta força quando achava os materiais certos para entrar em combustão. A força dele dependia do externo. A força dela vinha de dentro. Ela simplesmente era a água, com beleza própria.
Mas para esconder seu medo o fogo brincava com os sentimentos dela.
Quando a dor da rejeição era muito grande, a água se recolhia, se afundava nela mesma.
Até que um dia houve um grande incêndio na floresta e ela o viu na sua forma mais poderosa a consumir todas as árvores ao seu redor. Era uma agressividade da qual ela se deu conta de que não era só para ela, amar para ele era consumir, destruir, queimar.
Foi então que ela percebeu que precisava continuar, seguir seu fluxo, sua correnteza e deixa-lo para trás. Pois sua forma de ver o mundo era diferente da dele.
Hoje, mesmo quando com os materiais certos o fogo possa aparecer sobre a água, ela não mais se ilude. Ainda sente amor por ele sim. Talvez sempre sentirá, mas aprendeu a renunciar. Aprendeu que há coisas que não vamos ter, não por não merecer, apenas por sermos diferentes, incompatíveis.
E a água e o fogo eram de natureza diferente.
Mas ela sempre o amaria, mesmo ele jamais entendendo a essência do seu amor, mesmo ele não sabendo retribuir.
Hoje, a água se volta para o sol e vem dando uma chance para ele. Ele também é feito de fogo, mas está numa distância mais saudável. Ela descobriu que para ser amada, precisa saber ajustar os limites, as distâncias necessárias para a auto estima se desenvolver.
Hoje ela sabe amar, pois, acima de tudo, aprendeu a ver o seu valor, aprendeu a se olhar não pelos olhos do fogo que não a ama, mas pelos olhos de quem dela sente sede.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

AMIZADE

Era uma amizade como poucas.
Quando queria sentir a lealdade, olhava para sua amiga.
Era uma amizade histórica.
Mas as histórias nem sempre são longas e a desta amizade foi curta.
Viveram momentos que outros não entenderiam, mas as mais belas estórias nem sempre são as mais extensas.
Esta é uma história curta, como esta amizade, mas profunda, como só os grandes sentimentos são.
O verdadeiro amor é solidificado aos poucos, no convívio do ceder, do renunciar, do amor ao próximo.
Foi assim que a menina e sua cachorra Susi se descobriram companheiras e amigas. Parceiras no jogo lúdico das brincadeiras, das maquinações no quintal, dos diálogos imaginários e das fantasias idealizadas.
Mas como eu disse, esta é uma história curta.
E num dia em que a menina se levantou num domingo, correndo para acordar sua amiga Susi ... Descobriu que ela não queria abrir os olhos.
Nem mesmo quando a menina gritou...
Nem mesmo quando a menina chorou...
Nem mesmo quando a menina retirou as formigas da sua boca...
Nem mesmo quando a menina caiu de joelhos...
A cachorra Susi não abriu mais os olhos, mas abriu os olhos da menina.
A menina abriu os olhos para aprender o amor ao sentir a dor da perda, aprendeu que nem todos têm os olhos abertos para nos enxergar com a beleza que possuímos, mas que nossos verdadeiros amigos jamais fecharão os olhos do coração para nós, mesmo quando os olhos físicos já não mais existirem.
Há amizades que rendem uma boa risada.
Há amizades que rendem uma boa lembrança.
Há amizades que rendem uma boa história.
E há as amizades que ultrapassam a morte e que carregamos o que aprendemos com nossos amigos na nossa conduta frente ao mundo.
E a menina aprendeu com sua cachorra a jamais fechar os olhos para o essencial da vida: amar, perdoar e enxergar além do óbvio.


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MATURIDADE


Quando eles se conheceram, ela tinha uma tinta esquisita nos cabelos e ele a achava um pouco grande demais para uma menina.
Mas mesmo assim desejaram se conhecer, pois existia muita curiosidade em descobrir o que o outro não dizia.
Quando eles se tornaram amigos, o jeito falante dela incomodava o silêncio dele.
Mas mesmo assim desejaram investigar a grande aventura que é a comunicação de um homem com uma mulher.
Quando eles passaram a namorar, foi difícil entender o romantismo dela e foi estranho dividi-lo com tantos amigos.
Mas mesmo assim eles desejaram dar uma oportunidade de compartilhar, de renunciar.
Quando eles se casaram, foi estranho para ele perceber que a casa tinha de estar como ela queria e foi surpresa para ela notar quantas coisas fora do lugar ele deixava.
Mas mesmo assim eles desejaram incluir o perdão na relação e ele foi muito usado.
Quando eles tiveram filhos foi elogiável a força que ela demonstrou para educa-los e foi engraçado o quanto ele tentava carrega-los nas brincadeiras.
Mesmo assim eles desejaram não confundir amor com dó e educaram com limites e disciplina.
Quando eles envelheceram, nunca tinha reparado como ela ficava mais linda com as rugas e o cabelo branco e ela nunca tinha percebido o quanto de vigor via nos olhos dele.
Mês mesmo assim eles desejaram continuar crescendo na vida, pois ainda eram crianças na arte de se fazer sábio e passaram a estudar os problemas e a se exercitar com os obstáculos para rejuvenescerem juntos.
Quando um deles morreu, ela não tinha dado conta do sorriso maroto que ficou nos lábios dele e ele ofereceu seu último suspiro para ela.
Mas mesmo assim, quando ele fechou os olhos, os dela é que se abriram e só aí ela entendeu que ninguém se casa por ter encontrado a pessoa certa... Mas por ter cruzado com uma pessoa que seguia pela mesma estrada certa que a sua. E ambos escolheram viajar juntos até que a morte os separasse...


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A FÊNIX

Esta é uma releitura particular e não muito fiel da lenda da ave Fênix.
Cada um sonha a sua vida como pode.
Nem sempre a vivemos como a queremos.
Mas a levamos como é possível.
A ave Fênix fazia parte desta categoria. Mas nem sempre foi assim.
Houve uma vez, uma época em que ela era ingênua, acreditava em todas as pessoas e não via maldade em nada.
Já reparou como o mundo pode ser uma grande ilusão? Uma grande vitrine onde se vendem expectativas, ideais e fantasias? Um grande hipermercado com prateleiras de promessas repletas de produtos de mentira em embalagens camufladas.
A Fênix não tinha boa visão nesta época.
A nossa visão vai melhorando conforme nossa idade avança. Começamos a ver além do óbvio, além das aparências, além do apresentável.
Mas a Fênix não viu o sol. Por que só olhou para ele com os olhos físicos e não com a perspicácia da maturidade.
Em muitos momentos as coisas estão à nossa frente e não vemos.As pessoas certas que passamos a vida toda procurando estão ali e não as enxergamos, pois as esperamos com as fantasias de nossos ideais, mas elas aparecem vestidas com a realidade. Sem o brilho áureo e encantador do que avaliamos como o amor de nossa vida, mas com o vislumbre tranqüilo de quem nos aceita como somos. De quem nos ama como estamos e sem pressa...
E o sol queimou a Fênix. Quanto mais alto ela alçava vôo, mais se queimava. Quanto mais se debatia, mais o fogo a consumia. Até consumi-la por completo e a transformar em cinzas ao chão.
O pensador Charles A. Beard diz que “a hora mais escura da noite é justamente aquela que nos permite ver melhor as estrelas”. Quando nos queimamos no sofrimento, na decepção, na traição de quem elegemos como a pessoa da nossa vida e esta pessoa nos transforma em cinzas... Aí então começa nossa verdadeira visão. Pois é desta cinza que a Fênix renasce como ave mais forte, mais completa...Mais viva.
Esta categoria de pessoas vive misturada a tantas outras, nas ruas, nos parques, empregos...Trabalham, vivem como todos.
Gostaria de conhecer uma Fênix?
Uma pessoa que renasce das cinzas da dor?
Há uma frase do filósofo alemão Nietzsche que diz que “quanto mais alto voamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar”.
Uma Fênix se mostra comum, sem glamour ou projeção social, simples na fala, humilde na vestimenta, porque não precisa provar mais nada. Já morreu para o que o mundo valoriza: status, dinheiro e competição.
Mas renasceu para o que importa: lealdade, fidelidade e amor.
Gostaria mesmo de conhecer uma Fênix?
Olhe com muita atenção ao seu redor: ela não é vista, é sentida. Pois quando você sentir o impacto emocional que ela provoca, quando sentir a paz por ficar perto dela, a vontade de vê-la mais e tê-la em sua vida... Então você achou a sua Fênix. Não a deixe solta para que voe longe, convide-a a habitar o seu coração.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

ENCONTROS

 

Ele andava cansado de ser o centro das atenções de tantas estórias de terror. Em todas seu nome era citado.
O Senhor Mistério sentia um tédio paradoxal: de tanto ser buscado, falado, escrito e visto nos cinemas, já havia perdido o mistério, o encanto.
Ele arrumou sua bagagem e decidiu ir embora, achar um sentido, encontrar quem ou o que lhe desse brilho novamente.
E o Senhor Mistério encontrou na sua estrada uma criança e por ela se encantou.
Quem sabe estaria ali um encontro divertido!?
___ Oi criança, qual é o seu nome?
___ Mimado.
___ Quem lhe escolheu este nome?
___ A vida. Pois tudo o que quero eu choro e consigo.
___ Quer viver ao meu lado?
___ Você vai me dar tudo o que quero?
___Não e posso te fazer sofrer.
___ Então vá embora, porque só fico com quem me dá tudo o que quero e façam as coisas do meu jeito.
E o Senhor Mistério se retirou.
A criança mimada preferia o egoísmo a ele. Não era perto de pessoas assim que desejava ficar.
Andando mais um pouco, o Senhor Mistério encontrou na sua estrada um homem com ares ocupado, parecia ser um sujeito legal.
Quem sabe estaria ali um encontro de verdadeiros amigos!?
___ Oi amigo, qual é o seu nome?
___ Negócios.
___ Quem lhe escolheu este nome?
___ Ávida. Porque tudo o que sou é o dinheiro que comprou. Vivo para negociar e aumentar minha riqueza.
___ Quer viver ao meu lado?
___ O que vou ganhar com isto? Meu dinheiro vai aumentar com esta parceria?
___ Não e eu posso lhe fazer sofrer.
___ Então vá embora, porque só me interessa quem pode me fazer ganhar mais, ter mais status e poder.
E o Senhor Mistério se retirou.
O homem de negócios preferia o materialismo a chance de viver o mistério. Não era perto de pessoas assim que desejava estar.
Andando mais adiante encontrou na sua estrada a moça mais bonita que já viu, se apaixonou de um jeito único.
___ Oi moça linda, qual é o seu nome?
___ Vaidade.
___ Quem lhe escolheu este nome?
___A vida. Porque não vivo sem os espelhos e sem a confirmação de que sou a mais linda de todas. Pois minha beleza é perfeita.
___ Quer viver ao meu lado?
___ Você vai me adorar como a mais linda?
___ Não e posso lhe fazer sofrer.
___ Então vá embora, porque só me interessa quem possa adorar minha beleza. Pois sou irresistível e belamente perfeita.
E o Senhor Mistério se retirou.
A moça bonita preferia o narcisismo a oportunidade de viver o mistério. Não era perto de pessoas assim que desejava estar.
Pensou em desistir de sua busca, afinal as pessoas não se interessavam muito por ele. Mas foi quando viu uma mulher vindo em sua direção. Quem podia ser? Não se parecia com nada igual e ao mesmo tempo nada a diferenciava do resto dos outros. Que tipo de encontro poderia ter com alguém assim?
___ Oi, qual é o seu nome?
___ Estou tentando descobrir.
___ Você não sabe como se chama?
___ Me chamam de muitas coisas, mas me pergunto se eles realmente me conhecem. Eu sei como me chamo, mas nem todas as pessoas ouvem meu nome.
___ Mas quem lhe escolheu seu nome? É tão diferente assim?
___ A vida. E ele não é diferente, é simples,é sem graça. E justamente por isto é que não sou valorizada. Mas eu nem ligo, sabendo eu quem sou já me basta.
___ Mesmo eu não sabendo quem é você, quer viver ao meu lado?
___ Você vai estar pronto para conviver com alguém que terá que descobrir diariamente quem é?
___ Quero correr o risco. E você estará pronta para conviver com algo que pode te fazer sofrer?
___ Quero correr o risco.
E assim o mistério se uniu à mulher.
E quando ele afogou-a na angústia, ela aprendeu a nadar...
Quando ele queimou-a com o fogo das paixões, ela aprendeu a se esfriar...
Quando ele soterrou-a com a terra do medo, ela aprendeu a cavar...
Quando ele jogou-a do cume de uma montanha, ela aprendeu a voar...
Quando ele colocou-lhe uma corda no seu pescoço para enforca-la, ela aprendeu a laçar e laçou o coração do Senhor Mistério.
Hoje eles andam juntos, vão se descobrindo a cada novo obstáculo. Para ele, ela se tornou uma mulher especial. Para ela, ele é o seu mistério.
Ah! Agora ela pode contar seu nome:
___ Maturidade.
Foi assim que as mulheres maduras, que não tem mais o vigor adolescente, nem a pele de criança, nem o pudor de uma virginal menina, passaram a exalar mistério.
Um mistério que só é desvendado para os homens que querem mais que uma moça bonita, que não vivem como crianças mimadas e que não querem morrer como meros homens obcecados por negócios e dinheiro.
São para estes homens que estas mulheres se desvendam, se mostram e ficam nas suas vidas.
Afinal, desde o dia em que a maturidade se encontrou com o Mistério, passou a existir mulheres interessantes que não nascem bonitas, se tornam ao longo da vida.
Esta estória é para lembrar que sempre existirão mulheres que ousam ser o que nem para elas mesmas teriam coragem de assumir.
São por elas que o Senhor Mistério se apaixona.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

BAILARINA LIBERDADE


Era uma vez uma bailarina que atendia pelo nome de Liberdade. Nada tinha mais graça e beleza do que vê-la dançar.
Quando o vento lhe trazia novas ou antigas melodias, ela esbanjava passos, rodopios, piruetas com harmonia, precisão e a sensibilidade que só as bailarinas tem.
Não havia outra como ela.
E isto, com o tempo, passou a ser um problema. Queria ter família como todos, queria saber com quem aprendeu a dançar, pois desde que se lembrava, sabia como se portar no balé.
Teria ela pai ou mãe?
Como aprendeu o balé? Quem lhe ensinou?
Ninguém ao redor convenceu-a a desistir da idéia de ir atrás de suas origens.
___ Senhor Vento, que está sempre por perto, me diga por onde começar. Onde está minha origem?
___ Bailarina Liberdade, eu te dou as melodias, te acompanho, mas se quer conhecer suas origens, busque o Senhor Desejo.
E lá se foi a bailarina Liberdade atrás de falar como Senhor Desejo.
___ Senhor Desejo, quero saber das minhas origens, pode me ajudar?
___ Bailarina Liberdade, eu levo você ao coração das pessoas. Todos te desejam, você já foi motivo de mortes na história das escravidões humanas; de renúncias e utopias para muitos governos políticos e de denúncias por sua perda em muitos direitos humanos. Mas se quer saber sua origem, ela não está comigo, procure o Senhor Ideal.
E lá se foi a Bailarina procurar o Senhor Ideal.
___ Senhor Ideal, quero saber das minhas origens, pode me ajudar?
___ Bailarina Liberdade, eu te coloco na cabeça das pessoas. Por causa de mim, todos fantasiam a seu respeito com fantasias equivocadas. Eu não mostro você como realmente é, por isto a desilusão me acompanha. Acho que não sou a melhor pessoa para te ajudar. Já falou com a Dona Solidão?
E lá se foi a bailarina Liberdade a falar com a Dona Solidão.
___ Dona Solidão, preciso saber de minhas origens, pode me ajudar?
___ Bailarina Liberdade, as pessoas fogem de mim, não gostam da minha companhia. Preferem agüentar vermes como a humilhação, a degradação, a vergonha e o desespero do que me deixar entrar nas suas vidas. Sou desprezada pelos humanos e quando eles se vêem tendo que me aturar, fazem de tudo para se livrarem de mim. Mas sou eu sim que poderei te ajudar, pois a sua origem está em mim. Quando era jovem, tão jovem que o Tempo nem se lembra mais, eu me envolvi como Desespero. Foi uma loucura. Ele se aproximou com tanta rapidez e tão ao disposto a estar comigo que não ouvi quando o meu amigo Tempo me alertou: tudo que cresce rápido não tem raízes fortes de sustentação. Foi tudo tão rápido que não percebi quando ele continuou seu caminho, passando por cima de mim, conhecendo a fantasia e achando-a mais bonita do que eu. E como a Fantasia sabe iludir, ela o fisgou. A dor de ser rejeitada foi grande, machucou tanto que adoeci. Nem percebi quando o amor se aproximou, cuidou com paciência e carinho de mim. Disse que as pessoas não me entendem pois me temem. Foi da nossa união que você nasceu. Vivemos juntos desde então, como casal. As pessoas não conhecem o verdadeiro amor por não me aceitarem junto com ele... É uma pena, eu não desejo afastar as pessoas, mas primeiro preciso que elas aprendam a olhar para elas mesmas... Sozinhas... Para depois o amor aparecer e ajudá-las no caminho pleno e saudável dos relacionamentos. E você é a nossa criança bailarina. A Liberdade presente no respeito e na individualidade de cada um no casamento. A Liberdade presente no direito do outro se expressar e no dever do outro ouvir. A Liberdade presente na escolha que cada um faz na vida. O que as pessoas não sabem, bailarina, é que meu ex, o Desespero, se casou com a Paixão e também tiveram uma filha: a Libertinagem. Na vida humana eles se confundem. Parece que somos todos iguais. Mas dance, bailarina, é na sua dança que você mostra diferença.
___ Como posso ajudar as pessoas a te aceitar mais?
___ Não pode. Quando o Desespero junto com a Paixão os machucam, eu sou a única que agüenta ficar ao lado deles, porque sei como se sentem, também já fui machucada um dia. Por isto que eles pensam que sou eu quem os machuco e correm de mim e com isto, também correm do amor. Mas dance, bailarina Liberdade. Com a sua dança eles podem desejar ser livres da angústia, da dependência doentia pelo outro, da mendicância por afetos da qual merecem mais. Dance bailarina, dance...
Por isto, quando a vida nos machuca, fazemos do choro uma melodia, da dor um palco, das lágrimas o público e a bailarina Liberdade dança. Trazida pelo desejo de dias melhores e pelos ideais de pessoas mais humildes; pela sua origem na solidão de se saber ser a única companheira quando morrer e no amor de se saber presente no olhar de quem o criou para ser feliz.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

O CACHORRO DA MUDANÇA


Era um bom dia para se mudar de casa.
Nenhuma nuvem, clima tropical e boa disposição de toda a família.
Não parecia que ia ter tanta coisa, mas elas se procriaram como coelhos. Ajeitar toda a mudança foi um trabalho de profunda estratégia da parte da família.
E o cachorro a tudo assistia. Vez por outra pulava, latia e acompanhava com seu farfalhar de rabo a movimentação.
Uma nova vida estava começando.
Entre um latido e outro, sonhava com seu projeto de demarcar o terreno da nova casa, novos espaços para enterrar os ossos. Como seria sua nova casinha? Quem seriam os cachorros da vizinhança? Que lugares iria desfilar com seu dono, para mostrar a todos o quanto era querido e amado? Quem iria carrega-lo até o novo local?
E enquanto o cachorro vivia o futuro, o presente de desenrolava mais rápido do que o esperado, mais confuso do que o planejado e mais atrapalhado do que se pensava.
O cachorro, enquanto aguardava, se voltou para as lembranças do que já tinha vivido naquela casa desde que nasceu. Era a única que tinha conhecido. Quantas brincadeiras agradáveis que ocorreram... Como sair dali sem levar consigo as lembranças boas? Como se esquecer das dificuldades que presenciou? Dos choros e perdas que viu ao lado da família que amava? Como deixar o medo que sentiu cada vez que um deles ficou doente? Como esquecer a alegria ao ver cada um deles chegar do trabalho ou da escola?
E enquanto o cachorro revivia o passado, o presente se desenrolava cada vez mais complicado pelos móveis que não passavam na porta, cada vez mais disperso nas caixas de louças que iam para o caminhão, cada vez mais focado em trancar logo a casa , entrarem no carro e partirem juntos com a mudança.
Foi assim que o silêncio chacoalhou o cachorro para o presente e uma dor incrível dominou seu peito ao perceber que ficou esquecido no jardim de uma casa vazia.
Ansiou tanto o futuro, se deprimiu tanto pelo passado, que não viu o presente a lhe gritar nos ouvidos.
E você?
Vem ouvindo o grito do presente no seu ouvido para que viva o agora? Vem exercitando a tarefa diária de viver um dia depois do outro, sem esperar dele nada mais do que o hoje?
Quer saber o que aconteceu com o cachorro?
Pela primeira vez ele precisou sair do comodismo, das desculpas que se dava por ser pequeno, por ser um animal, por ser irracional e ir à luta.
Teve que abandonar o futuro com o passado, pois seu presente estava em risco. Entendeu finalmente que este era o único tempo que existia, que exalava vida e valia a pena se empenhar.
E o cachorro correu pelas ruas atrás do carro, suas orelhas atentas e língua para fora, pois investiu mais esforço do que supunha ter. Descobriu mais força nas pernas do que sua capacidade previa. Viu-se pensando em alternativas que não sabia que sua condição canina permitia.
Enxergou pontos de vista do bairro que nasceu, que nem imaginava existir. Latiu em tons que não sonhava ser capaz. Foi aí que entendeu que seus planos para o futuro de nada adiantariam se ele não achasse uma saída para o que ocorreu. As lembranças do passado e o apego de nada favoreciam a sua corrida, pelo contrário, o fardo do passado pesava em suas costas.
E a segunda decisão precisou ser tomada para sair do comodismo: abandonar o que já foi, parar de ansiar com o que ainda não veio e se movimentar no tempo real, onde as coisas podiam acontecer: hoje.
O cachorro aprendeu a correr em velocidades mais determinadas, a se expressar de forma mais decisiva e a não desistir na primeira esquina que parar.
Deu graças por ter sido esquecido na mudança. Quando a família o achou perambulando nas ruas do bairro, já não era mais um cachorrinho mimado, esperando ser carregado no colo. Era um cachorro que passou pelos obstáculos, que decidiu encarar os problemas. Que foi obrigado a mudar sonhos e projetos por causa deles e se lapidou nas dificuldades.
Agora era um cachorro que fez da corda de uma forca um laço para agarrar as oportunidades, que fez da decepção por ter sido abandonado, lenha para queimar no fogo do perdão. Que não correu por alguns quarteirões, que avançou anos no seu crescimento pessoal.
Ensinou para nós humanos, que quando achamos que Deus esqueceu a gente na mudança, podemos sentar e chorar nossa miséria, mas também podemos ver nisto a nossa melhor chance na vida de viver com uma profundidade que só os sábios sabem.


O CIRCO



O circo é como o mundo
Repleto de espetáculos: alguns inéditos, outros interessantes e outros trágicos.
Ninguém controla o desenrolar das cenas.
E eu?
Estou sempre a dançar as várias músicas que a vida me impõe ou que às vezes também escolho. Passos de dança que nem sempre o público entende. Mas eu não danço para o público, danço para o meu Deus e me equilibro no trapézio dos problemas, no balanço das angústias.
Muito prazer!
Sou a bailarina trapezista!
Posso ser interessante e muita gente me conhece.
Será que me conhecem mesmo?
Comigo as pessoas riem, choram, se deslumbram com as emoções que eu provoco. Às vezes tenho medo, angústia, porque viver nos trapézios da vida dá muito medo, é se expor demais, correr risco. Sempre tem um público que não gosta da gente, que prefere a segurança de ficar escondido atrás de desculpas e comodismo, do que subir no trapézio e arriscar.
E eu arrisco por amar o palhaço “Poetinha”.
O Palhaço “Poetinha” tem sempre um verso, uma poesia e uma pintura no rosto para seu público. Ele fala o que as mulheres querem ouvir e não consegue dizer o que, como homem, deseja.
Gosto de olhar nos olhos dele e vejo o que ele não consegue dizer. Ele é tão grande, tão criativo e se vê tão pequeno. O palhaço “Poetinha” no fundo é um menino grande que precisa perder o medo de ser abandonado, de ser rejeitado, de ser rebaixado; tirar a pintura do rosto, olhar-se no espelho e ver que qualidade de homem ele é.
Eu estendo a mão para ele, convido-o para subir no trapézio, para estar comigo, para se permitir ser amado por uma mulher real... Eu também tenho medo, talvez seja mais louca do que ele, mas o convido para viver, para arriscar esta dança.
O Palhaço “Poetinha” sorri... Ameaça ir... Quer ir... Deseja descobrir o seu sentido... Mas tem medo de me olhar de cara lavada.
Dá uma pirueta, faz uma poesia e se encolhe. Uma lágrima escorre do seu olho e ele disfarça, afinal, homem não chora...Assim que todos dizem.
Mas o Palhaço “Poetinha” quer amar e ser amado, quer andar de mãos dadas com sua bailarina, quer aprender a se movimentar no trapézio.... Mas não quer se machucar ...
Pobre Palhaço Poetinha,acha que ninguém nota sua tristeza, mas do trapézio eu o observo e também choro. Eu quero que ele arrisque, eu quero que ele se dê uma chance e me dê uma chance, quero dançar com ele...
As bailarinas e os Palhaços são casais interessantes e sempre cruzamos com um destes ou nos reconhecemos neles.
Elas são graciosas, delicadas, mas o balé as deixaram fortes e disciplinadas. São meninas na sensibilidade, mas mulheres trabalhadoras no espetáculo de se manterem vivas.
As bailarinas não são viventes, são sobreviventes no mundo, por que se moldam nas danças dos problemas e se forjam na luta diária quando a cortina desce.
Os Palhaços são engraçados, inteligentes e carismáticos. Sempre com uma piada para alegrar a vida do próximo. Pensam mais no outro do que em si mesmos. São meninos que brincam com a alegria, mas convivem com a tristeza por baixo da máscara. E quando Palhaço e bailarina se encontram, eles não se apaixonam, eles se reconhecem, porque são parecidos, são feitos do mesmo material: a teimosia. Teimam em acreditar na esperança da luz, quando o mundo só lhes dá noite escura...
Este casal dá certo porque não fazem planos de viver feliz pra sempre, porque não são príncipe encantado e princesa do castelo, são companheiros que se apóiam nos espetáculos da vida, que se amam e que se entreolham com cumplicidade... Porque um dia já mendigaram amor, já sofreram por quem os chutou. Não são jovens, são sonhadores... São sobreviventes do mundo.

RECEITAS DA VOVÓ



Há coisas que aprendemos com antepassados que não chegamos a conhecer em vida. Mas que carregam histórias e estórias que perambulam de geração a geração numa família.
Foi assim que minha bisavó.
Aprendi com as estórias que ela contava e das quais também aprendi a contá-las, à minha maneira, na cozinha de minha avó.
Na minha família, histórias e culinária se misturam o tempo todo. Foi assim que aprendi a cozinhar sopas, bolos, sucos especiais repletos de sonhos e criatividade.
Estas são receitas que trazem o prazer de um bom e gostoso café da tarde, que só as avós sabem fazer. Afinal, são nestes cafés da tarde que as mais belas histórias e estórias são construídas.

PÃO DA AUTOESTIMA
Ingredientes:
  • 2 pedras do fermento do tempo
  • 1 xícara bem cheia de aceitação de si mesmo
  • 3 ovos vindos da granja do respeito próprio
  • 100gramas de carinho
  • 2 copos cheios de espontaneidade
  • 1 kilo de farinha do amor próprio
  • 2 copos razoáveis de emoções
  • 1 colher bem cheia de sabedoria

Modo de Preparo:
Vá misturando os ingredientes aos poucos, sem pressa. Vá amassando conforme a massa toma forma, cresce e se solta das mãos. O fermento do tempo é fundamental para que o pão se desenvolva. Utilize como fôrma o seu coração e se lembre de que a massa precisa descansar. Todo pão que é assado precipitadamente não fica macio e grande. Nenhum ser humano cresce na vida sem o fator tempo e sabedoria.
A melhor maneira de saber se o pão está pronto é consultando o rosto das pessoas ao seu redor, se te olharem com brilho nos olhos, tire da fôrma, é só servir.

MAS CUIDADO: Estes ingredientes não são vendidos em qualquer lugar. Para adquiri-los, só no mercado da experiência, com a moeda do sofrimento como troca pelas mercadorias.
Só para te dar uma dica: O mercado fica na esquina da desilusão com a decepção, mas perto da avenida da esperança.

SUCO BOM PARA O ESTÔMAGO
Quando você for obrigado pelas circunstâncias da vida a “comer” problemas, dificuldades, ingratidão... Este é um bom suco que ajuda a você a digerir alimentos e que, unido a um bom alimento, faz um excelente café da tarde.

Bata no liquidificador do seu coração, os seguintes ingredientes:
  • Perdão
  • Paciência
  • Humildade
  • Adoce tudo com amor
PERDÃO = fruta que garante a digestão do ácido da raiva dentro da gente. Este ácido é mortífero e pode nos matar aos poucos.
PACIÊNCIA = fruta necessária para que possamos esperar as circunstâncias mudarem e o tempo agir.
HUMILDADE = fruta necessária para que reconheçamos que não somos os únicos a passar por isto e nem melhor do que quem nos magoou.
AMOR = sem este adoçante a vida não tem graça

BISCOITO DE BRANDURA
Junte numa tigela:
  • 01 pedra de fermento do tempo
  • 200 gramas de autodomínio
  • 300 gramas de amor ao próximo
  • 150 gramas de paz
  • 100 gramas de sabedoria
  • 02 ovos da granja da paciência

Amasse com cuidado, pois é uma mistura sensível, Mas quando pronta tem uma consistência forte.
Leve ao forno dos relacionamentos. Se estiver muito frio, a massa desanda, se estiver muito quente, vai queimá-la. Ache o equilíbrio saudável. Salpique com o açúcar da comunicação.
Estes biscoitos são para serem saboreados no casamento, na relação com os amigos, no ambiente de trabalho, de escola, com nossos pais, irmãos, filhos...
Só não se esqueça = não é um biscoito para ser feito em grande quantidade para ser guardado. Ele precisa dos relacionamentos para se manter saboroso e fresco.


Que você tenha um bom café da tarde!


as mil e um noites - conto de uma Sherazaade

AS MIL E UMA NOITES

Conto popular
Artigo terapêutico desenvolvido por Priscila Martins


Esta foi uma estória que li quando criança e aprendi a contá-la à minha maneira.

“ Era uma vez um sultão jovem e apaixonado pela sua amada. Não que ele não tivesse se empolgado por outras, mas “ela-era-a-sua-cara-metade”, a “mulher-da-sua-vida”,
Afinal, precisamos de um ator para nossas personagens. O teatrólogo Stanislaviski diz que toda persona precisa vir à vida.
O Sultão deu vida à sua, escolheu a mulher dos seus sonhos.
Uma música do Zé Ramalho diz que “ninguém sabe onde a felicidade está” ( música sinônimos). Mas precisamos de sentidos, e o Sultão achava que era naquela mulher que estava o seu.
Foi o mais lindo casamento que o Oriente já viu...
Toda a riqueza do seu Império era adorno para ela, não era mais uma, era a Única.
Aquela que passou anos habitando seu imaginário, sonhos e ideais... Agora estava lá, viva, de carne e osso... Ela existia...
Mas o Sultão não se deu conta que Ela não saiu da sua imaginação... Ela era real e ... imperfeita...
Ele só percebeu isto quando a viu belamente destruída pela realidade da traição. Pela existência humana do erro e do pecado. Ela foi vista por ele sendo envolvida por braços e lábios masculinos que não eram os seus. A sua esposa nunca foi sua.
Zé Ramalho diz ainda nesta música Sinônimos; “como é triste a tristeza mendigando um sorriso”.
O Sultão não sentia ódio, sentia pena de si mesmo, inveja daquele que a envolvia.
Este sentimento dilacerava mais que tudo e ele optou pelo bálsamo do ódio. Era mais ameno. Então chamou seus homens e ordenou o fim da dor:
Ela deveria ser morta junto com seu amante. O sultão, com isto enterrou seu coração, sonhos e capacidade de amar.
**************

O Sultão abriu as cortinas para a nova fase de sua vida, Após o luto por si mesmo, decidiu-se pela luxúria. Não levaria nenhuma mulher a sério, todas afinal, tinham a mesma essência. Podiam mudar as fragâncias, mas lá estava ela: a essência básica da dissimulação, da sedução.
Viver sem elas seria impossível, pois era um homem.
Como resolver a situação?
Com a ajuda do chefe da guarda resolveu a questão: casaria-se somente por uma noite e após as núpcias, o chefe da guarda mataria a noiva como matou sua amada. E o anel do casamento passaria para sua próxima pretendente. Ele as amaria intensamente só por uma noite, pois elas não mereciam mais que isto.
E por muitos anos as jovens do Império foram amadas e mortas em uma única noite,. Quando não haviam mais nobres, buscou as moças simples da redondeza.
Até se deparar com uma bela jovem da qual desejou prontamente se casar. Como casar-se com o Sultão não era um pedido, mas uma ordem, todos sabiam o que significava: morte ao amanhecer. A bela jovem chorou quando soube da notícia.
Como é dialético algumas situações na nossa vida, às vezes o que mais desejamos é o que mais nos escraviza.
A bela jovem desejava se casar, mas não queria morrer.
Sua família chorou.
Sua irmã mais velha tomou uma atitude pela família.
Uma música do Skank diz:”queria te ajudar, mas a estrada só existe quando você passa”. Algumas decisões que tomamos pode mudar não somente nossa trilha, nosso caminho, mas de nossa família, de nossos queridos filhos, irmãos, pais ...
Foi assim que Sherazaade mudou a história de muitas pessoas quando decidiu por morrer no lugar de sua irmã, a bela jovem.
No dia do Sultão formalizar o pedido, Sherazaade pediu uma contraproposta: que ela assumisse o lugar da irmã e só depois, na noite seguinte, ele desposasse sua irmã, quando ela já estivesse morta.
O Sultão não viu problema nisto, ambas iam morrer mesmo. Sherazaade não era tão bela e interessante quanto a irmã, mas podia esperar mais uma noite pra tê-la. Proposta aceita.
O pai das moças chorava mais ainda, agora em vez de uma , perderia duas filhas.
Mas Sherazaade não estava com medo. É estranho a palavra confiança. Fé. Esta palavra diferencia as mulheres guerreiras das princesinhas.
As guerreiras tem tanto medo quando as demais, mas caminham mesmo assim. Elas usam seus próprios cabelos como cordas, seu corpo como escudo, sua voz como espada, seus pés como veículos, sua inteligência como direção, sua fé em algo maior como guia.
As princesinhas esperam que alguém as salvem, as tirem do lamaçal, as regatem delas mesmo.
Por isto Sherazaade estava calma; ela era uma guerreira.
O dia do casamento foi de muita tristeza., mas de indiferença para o Sultão.
Quando anoiteceu, o Sultão leva Sherazaade para sua rica e magnífica tenda. Seu chefe de Guarda se posiciona para quando amanhecer decepa-la e arrancar-lhe o anel que passaria para sua irmã.
Sherazaade pede-lhe que antes de viverem a noite de núpcias, ele pudesse ouvir uma estória intrigante e misteriosa.
O Sultão não se animou em querer ouvir uma história, mas a palavra intrigante, misteriosa excitou seus ouvidos e ele passou então a dar uma chance de ouvi-la.
Sherazaade passou a contar-lhe estórias e quando ele se deu conta, o dia amanhecia. Não eram tanto as estórias, era a maneira como ela contava. Quando amanheceu ... ele queria mais ...
E agora? Mata-la ou ouvir mais estórias?
Há momentos que nos deparamos com dúvidas nas nossas escolhas e cada opção tem um preço a pagar. O Sultão pagou o seu, deixou-a viva por mais uma noite.
E lá se foi mais uma noite, mais uma estória, mais uma noite, mais outra estória ...
E ele ainda não tinha percebido que vivia sua noite de núpcias: era tocado pelas palavras de Sherazaade, beijado por suas estórias, curado pelo amor de seus personagens.
E se passaram mil e uma noite de estórias. Ele já não podia mais mata-la. Não estava apaixonado, estava amando aquela mulher comum que passaria despercebida por ele, se não fosse por suas histórias. Ele finalmente estava curado.

Sherazaade representa as mulheres comuns que não tem cabelo de rainha, corpo de princesa e rosto de bonequinha. Mas tem o olhar da experiência, as rugas da vida, as palavras na boca e as histórias nos pés.
Há mulheres que nasceram para ler historinhas...
Há mulheres que nasceram para escrever historinhas...
E há as Sherazaades, mulheres que nasceram para serem escritas; sobre as histórias que construíram e viveram...
As mulheres Sherazaades são descobertas .
O verdadeiro amor é descoberto e pode levar anos. Viva suas histórias e ouça ... Numa destas, você vai reconhecer sua Sherazaade.