quarta-feira, 27 de outubro de 2010

BAILARINA LIBERDADE


Era uma vez uma bailarina que atendia pelo nome de Liberdade. Nada tinha mais graça e beleza do que vê-la dançar.
Quando o vento lhe trazia novas ou antigas melodias, ela esbanjava passos, rodopios, piruetas com harmonia, precisão e a sensibilidade que só as bailarinas tem.
Não havia outra como ela.
E isto, com o tempo, passou a ser um problema. Queria ter família como todos, queria saber com quem aprendeu a dançar, pois desde que se lembrava, sabia como se portar no balé.
Teria ela pai ou mãe?
Como aprendeu o balé? Quem lhe ensinou?
Ninguém ao redor convenceu-a a desistir da idéia de ir atrás de suas origens.
___ Senhor Vento, que está sempre por perto, me diga por onde começar. Onde está minha origem?
___ Bailarina Liberdade, eu te dou as melodias, te acompanho, mas se quer conhecer suas origens, busque o Senhor Desejo.
E lá se foi a bailarina Liberdade atrás de falar como Senhor Desejo.
___ Senhor Desejo, quero saber das minhas origens, pode me ajudar?
___ Bailarina Liberdade, eu levo você ao coração das pessoas. Todos te desejam, você já foi motivo de mortes na história das escravidões humanas; de renúncias e utopias para muitos governos políticos e de denúncias por sua perda em muitos direitos humanos. Mas se quer saber sua origem, ela não está comigo, procure o Senhor Ideal.
E lá se foi a Bailarina procurar o Senhor Ideal.
___ Senhor Ideal, quero saber das minhas origens, pode me ajudar?
___ Bailarina Liberdade, eu te coloco na cabeça das pessoas. Por causa de mim, todos fantasiam a seu respeito com fantasias equivocadas. Eu não mostro você como realmente é, por isto a desilusão me acompanha. Acho que não sou a melhor pessoa para te ajudar. Já falou com a Dona Solidão?
E lá se foi a bailarina Liberdade a falar com a Dona Solidão.
___ Dona Solidão, preciso saber de minhas origens, pode me ajudar?
___ Bailarina Liberdade, as pessoas fogem de mim, não gostam da minha companhia. Preferem agüentar vermes como a humilhação, a degradação, a vergonha e o desespero do que me deixar entrar nas suas vidas. Sou desprezada pelos humanos e quando eles se vêem tendo que me aturar, fazem de tudo para se livrarem de mim. Mas sou eu sim que poderei te ajudar, pois a sua origem está em mim. Quando era jovem, tão jovem que o Tempo nem se lembra mais, eu me envolvi como Desespero. Foi uma loucura. Ele se aproximou com tanta rapidez e tão ao disposto a estar comigo que não ouvi quando o meu amigo Tempo me alertou: tudo que cresce rápido não tem raízes fortes de sustentação. Foi tudo tão rápido que não percebi quando ele continuou seu caminho, passando por cima de mim, conhecendo a fantasia e achando-a mais bonita do que eu. E como a Fantasia sabe iludir, ela o fisgou. A dor de ser rejeitada foi grande, machucou tanto que adoeci. Nem percebi quando o amor se aproximou, cuidou com paciência e carinho de mim. Disse que as pessoas não me entendem pois me temem. Foi da nossa união que você nasceu. Vivemos juntos desde então, como casal. As pessoas não conhecem o verdadeiro amor por não me aceitarem junto com ele... É uma pena, eu não desejo afastar as pessoas, mas primeiro preciso que elas aprendam a olhar para elas mesmas... Sozinhas... Para depois o amor aparecer e ajudá-las no caminho pleno e saudável dos relacionamentos. E você é a nossa criança bailarina. A Liberdade presente no respeito e na individualidade de cada um no casamento. A Liberdade presente no direito do outro se expressar e no dever do outro ouvir. A Liberdade presente na escolha que cada um faz na vida. O que as pessoas não sabem, bailarina, é que meu ex, o Desespero, se casou com a Paixão e também tiveram uma filha: a Libertinagem. Na vida humana eles se confundem. Parece que somos todos iguais. Mas dance, bailarina, é na sua dança que você mostra diferença.
___ Como posso ajudar as pessoas a te aceitar mais?
___ Não pode. Quando o Desespero junto com a Paixão os machucam, eu sou a única que agüenta ficar ao lado deles, porque sei como se sentem, também já fui machucada um dia. Por isto que eles pensam que sou eu quem os machuco e correm de mim e com isto, também correm do amor. Mas dance, bailarina Liberdade. Com a sua dança eles podem desejar ser livres da angústia, da dependência doentia pelo outro, da mendicância por afetos da qual merecem mais. Dance bailarina, dance...
Por isto, quando a vida nos machuca, fazemos do choro uma melodia, da dor um palco, das lágrimas o público e a bailarina Liberdade dança. Trazida pelo desejo de dias melhores e pelos ideais de pessoas mais humildes; pela sua origem na solidão de se saber ser a única companheira quando morrer e no amor de se saber presente no olhar de quem o criou para ser feliz.


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