quarta-feira, 17 de novembro de 2010

– SER BRINQUEDO



Ela gostava de ficar até tarde na rua brincando com seus amigos. Cada um trazia um brinquedo e lá criavam um mundo de fantasias.
Os meninos com seus carrinhos e bicicletas e as meninas com suas casinhas e bonecas. Vez por outra algum garoto derrubava alguma boneca e vinha o choro seguido de uma voz de dentro da casa a gritar que se tivesse briga, todo mundo entrava.
Por causa de uns, todos corriam riscos. Então, não era simples brincadeira, era angústia, medo de que no melhor, por culpa de alguma chorona ou algum briguento, todos tivessem que entrar com seus brinquedos.
E assim, os fins de tarde para a noite e os fins de semana passavam. Nas férias podia ficar mais, mas no período escolar, as aulas atrapalhavam.
E na ambição infantil, sonhavam com o dia em que não precisariam mais ir para a escola e teriam todo o tempo do mundo para brincarem. O que ninguém contou para eles nesta época, é que quando o momento de acabar as aulas chegasse, também já havia passado bem antes disto a vontade de brincar. Afinal, na nossa sociedade, adulto não brinca com brinquedos infantis, só alguns que fazem de outras pessoas seus brinquedos pessoais.
Era sobre este papo que sua avó quis falar um dia.
Tudo por causa dela ter resolvido deixar suas bonecas para fora, num dia de chuva e elas quase estragaram. Sua avó limpou-as, trocou-lhes a roupa e deixou-as mais bonitas do que antes. O preço a pagar foi uma conversa séria com sua avó. Apesar do receio de que viria um sermão daqueles, sentou-se ao lado dela que passou a lhe contar uma estória:
“Era uma vez na floresta, um macaco muito feliz, muito comunicativo e que todos gostavam dele. Mas ele tinha um problema sério: não era dado a ouvir conselhos. Todos os finais de dias, havia na floresta um treinamento para os animais, pois em caso de incêndio, todos saberiam como se portar. Havia disciplina,regras e seqüências de repetições diárias que o macaco achava um absurdo. Já tinha participado das primeiras, ainda quando criança e de tanto ver, enjoou do blá...blá...blá... que não dava em nada. Afinal, nunca ocorreu um incêndio de verdade desde que estava vivo. Mas se precisasse, era só lembrar ...
Um ano mais tarde o macaco se viu frente a frente com o maior incêndio que se tinha notícias há décadas naquela região. Também se viu frente a frente com sua memória, mas na emergência da situação com o pavor das emoções, descobriu que ela não funcionava tão bem nestas condições. Os animais que diariamente treinavam, mais do que saber, desenvolveram uma estrutura por todos estes anos para suportar e resistir ao incêndio. E o macaco engoliu muita fumaça, não teve forças nos braços para escalar as árvores mais latas e impulso necessário para pular para outras de forma tão rápido, pois não treinou. Ele foi o único a morrer no incêndio”.

A avó abraçou a menina dizendo que a morte do macaco não se deu pelo fogo, mas pela soberba. Pois achava que já sabia tudo e lhe faltou humildade. O segredo da vida é o treino repetitivo que nos submetemos diariamente. Se ele tivesse treinado no mínimo, teria conseguido no máximo.
Com muita delicadeza explicou à neta que cuidar dos seus brinquedos era o seu treino para aprender a lidar com o mundo e a sobreviver nele.
Se ela não tiver como treino o cuidado diário, o carinho, o amor e respeito pelos objetos que tem, quem dera com coisas maiores.
Disse-lhe ainda que seus brinquedos eram sua primeira relação afetiva com o mundo. Sua chance de treinar qualidades e desenvolver habilidades ao tratar outras pessoas, para não correr riscos mais tarde de fazer delas seu brinquedo e acabar brincando com suas vidas e sentimentos.
Esta menina aprendeu com sua avó carinhosa que mesmo quando o mundo faça de nossas mais preciosas emoções seu brinquedo predileto; que mesmo quando aqueles que mais amamos brinquem com nossa confiança e respeito, temos um Criador que nos deixou exemplos de um treinamento que nos salva: os gestos de amor que ainda presenciamos na vida.
Por isto, não podemos desperdiçar tempo sem treinar. Pois amanhã o mundo pode incendiar nossa vida, derrubando tudo o que temos e talvez a única coisa que sobreviva em nós é a estrutura de sabermos que somos melhores que o mundo, por termos a sabedoria de tratar a tudo e a todos com amor.


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

REVELAÇÕES


O Espelho e a Verdade se casaram há muitos anos, mas nem sempre era uma relação harmônica. Eles sobreviviam de revelar às pessoas o que verdadeiramente eram. E aí morava a raiz do problema do casal, cada dia que passava, menos as pessoas queriam saber sobre suas essências.
O mundo se tornava a cada dia mais um lugar perigoso para viver, muito mais ainda para se saber a verdade sobre si mesmo.
E as brigas do casal pioraram.
A Verdade quis dar um tempo na relação. Precisava respirar novos ares, conhecer pessoas, se redescobrir...
O Espelho teve uma crise de identidade, afinal quem era ele? Só exibia os outros e se perdia nas imagens que refletia.
A separação foi inevitável.
A Verdade quis recuperar a fase de solteira, sair com amigas para a balada, paquerar sem compromisso. Sua grande amiga, a Maturidade achava melhor ela rever o que estava fazendo, conversar com o espelho e recuperar seu casamento. A Verdade não quis ouvi-la, achou-a chata, precisava de amigas mais novas, mais divertidas e acabou conhecendo a Mentira.
Parecia ser a amiga ideal, divertida e sempre disposta a apóia-la.
Um dia, enquanto fazia comprar com sua nova amiga, entre uma loja e outra, cruzou com o Espelho. Só para esnobá-lo resolveu se espelhar e aproveitar para exibir sua nova amiga e nova vida.
___ Espelho meu, conheça minha nova amiga, a Mentira.
___ Quem é você?
___ Oras, sua ex-esposa. Não me reconhece mais? – Diz a Verdade toda entristecida.
___ Com esta sua amizade, só vejo a Hipocrisia. Minha ex-esposa se chama Verdade. Vocês são diferentes. Adeus.
E o Espelho a deixou.
Mas a Verdade queria mais amigos e conheceu o Medo. Ele era mais retraído, mas legal.
Voltou a procurar o Espelho, não iria desistir da idéia de esnoba-lo.
___ espelho meu, conheça meu novo amigo, o Medo.
___Quem é você?
___ Oras, sua ex-esposa! De novo não me reconheceu?!
___ Na minha frente, com esta amizade ao lado, só vejo a Ignorância. Vocês são diferentes, adeus.
Mas agora já era demais para a Verdade. Quanta insolência!
Iria expandir mais suas amizades e conheceu o Orgulho. Tão chique, tinha status e poder. Era com este que acabaria com o espelho e lhe faria muita inveja e ciúmes.
___ Espelho meu, conheça meu novo amigo, o Orgulho.
___ Quem é você?
___ Ah, não!! Ainda não me reconhece?
___ Na minha frente, com esta amizade ao lado, só vejo a Soberba. Vocês são diferentes, adeus.
A decepção da Verdade por não ter sido reconhecida pelo marido foi tão grande que chorou. E quando entrou em Depressão por causa disto, os novos amigos a abandonaram. Ela deixou de ser útil, não iriam ganhar mais nada ao lado dela.
Quem cuidou da Verdade e a ajudou a se restabelecer foi sua velha amiga, a Maturidade. Foi assim que percebeu quem realmente a amava. Percebeu que amigos mesmos podem discordar da gente, podem brigar com a gente, mas se jogam no buraco que já estamos só para nos fazer companhia, mesmo que não possam fazer nada para nos tirar dela. Foi isto que a Maturidade fez e a Verdade conseguiu se recuperar.
Quando estava melhor, a maturidade levou-a para tomar um sol na praça e ver gente, quando coincidentemente cruzou com o Espelho.
___ Espelho meu, você se lembra da minha velha amiga, a Maturidade?
___ Quem é você?
___ Ai que desgraça! Nunca mais você me reconhecerá!
___ Eu vejo à minha frente a mais linda jóia: a Sabedoria. É com esta que eu quero me casar.
___ Casar? Comigo? – a Verdade não cabia em si.
E na felicidade de reconhecer que não vivia sem seu Espelho, nem se importou dele não se lembrar dela. Só queria seu Espelho de volta e começar um novo casamento.
___ Eu sempre soube que era você, a Verdade o tempo todo. Nunca deixei de reconhece-la.
Num dia qualquer, o Espelho soltou esta frase quando a Verdade não esperava.
Ele continuou dizendo que nunca havia deixado de perceber que era ela , mas as novas amizades a transformavam e a Verdade se mostrava conforme a união que estabelecia. Disse ainda que sofreu muito com a ausência dela, pois descobriu que ao lado dela refletia a essência das pessoas e esta era a sua verdadeira identidade. Mas longe dela, só refletia a aparência. Passou a ter mais pessoas a procura-lo, mas descobriu que preferia a qualidade dos poucos na essência, do que os muitos na aparência.
E o casamento deles ficou mais fortalecido.
A verdade aprendeu que são nas vinculações das amizades que você se molda em formas que vão definir o rumo que vai tomar, as prioridades que vai ter e a quem vai se unir. Aprendeu acima de tudo a escolher quem deseja ter do seu lado.
E o espelho aprendeu que carregamos muito do outro em nós e muito de nós no outro. Que ser individual não quer dizer isolado. Portanto, não conseguimos viver tão afastados e sem necessidade do outro assim.
Espelho e Verdade juntos novamente.
Continuaram a ser pouco consultados, pois os humanos temiam saber a verdadeira essência que exalavam. Mas eles observaram que havia duas categorias de pessoas mais corajosas, mais estruturadas para suportarem saber quem realmente eram: as crianças e os loucos.
E estes passaram a ser admirados pelo casal, pela humildade com que aceitavam sua imagem refletida, mas com a sinceridade de quem sabiam que podiam brincar com ela, que podiam modifica-la e se melhorar como gente.
Os humanos normais e sensatos tem muito a aprender com eles.



segunda-feira, 8 de novembro de 2010

UM AMOR SEM IGUAL

Esta é uma daquelas estórias em que a gente se pergunta: como foi que este amor começou? Como ela não parou enquanto era tempo? Como ela não viu que não ia dar certo? Como foi se apaixonar justamente por ele?
Mas aconteceu, nem ela soube explicar como se envolveu, nem ele soube dizer algo que justificasse sua rejeição.
Mas aconteceu.
A água se apaixonou pelo fogo.
Mas o fogo... Ele nem reparou nisto.
Tudo começou no dia em que a água perambulava pelos matos, circulando árvores, descendo em pequenos penhascos e se chamando cachoeira, com sua corrida alegre que chamam de correnteza. Ela também é chamada de maré pelos amigos. Ela carrega a vida aquática, é vaidosa, por isto brilha aos raios do sol. Ele a namora com os olhos há muito tempo, mas ela ainda não está pronta para vê-lo. Sente seu calor protetor e se faz bonita ao pôr do sol.
Sua amiga, a lua, sempre lhe chama sua atenção para a realidade, para deixar de ser tão sonhadora e a esfria para se dar conta de que a vida não é brincadeira. E é nas noites de luar que a água se faz realística e gelada.
Mas um casal sempre a visita: o vento e a chuva. Quando eles aparecem, gostam de vê-la em movimento, apreciam sua dança. Às vezes, juntos fazem uma dança suave, às vezes botam pra quebrar e dançam a tempestade.
A vida da água estava em paz quando ele chegou. E chegou como um raio a cair em seu leito e aquela descarga elétrica fez com que a água acordasse para as emoções, mas dormisse para a razão.
Ela passou a desejá-lo. E ele? Ele a achou engraçada e fez dela seu brinquedo.
Quando estava entediado, se aproximava para aquecê-la, para vê-la sofrer por estar perto.
Mas ele sabia que jamais ficariam juntos. Pois são de natureza diferente. Ele se apaga perto dela e no fundo, ela lhe dava medo. A água tinha uma força que o fogo nunca entendeu. Ele só tinha esta força quando achava os materiais certos para entrar em combustão. A força dele dependia do externo. A força dela vinha de dentro. Ela simplesmente era a água, com beleza própria.
Mas para esconder seu medo o fogo brincava com os sentimentos dela.
Quando a dor da rejeição era muito grande, a água se recolhia, se afundava nela mesma.
Até que um dia houve um grande incêndio na floresta e ela o viu na sua forma mais poderosa a consumir todas as árvores ao seu redor. Era uma agressividade da qual ela se deu conta de que não era só para ela, amar para ele era consumir, destruir, queimar.
Foi então que ela percebeu que precisava continuar, seguir seu fluxo, sua correnteza e deixa-lo para trás. Pois sua forma de ver o mundo era diferente da dele.
Hoje, mesmo quando com os materiais certos o fogo possa aparecer sobre a água, ela não mais se ilude. Ainda sente amor por ele sim. Talvez sempre sentirá, mas aprendeu a renunciar. Aprendeu que há coisas que não vamos ter, não por não merecer, apenas por sermos diferentes, incompatíveis.
E a água e o fogo eram de natureza diferente.
Mas ela sempre o amaria, mesmo ele jamais entendendo a essência do seu amor, mesmo ele não sabendo retribuir.
Hoje, a água se volta para o sol e vem dando uma chance para ele. Ele também é feito de fogo, mas está numa distância mais saudável. Ela descobriu que para ser amada, precisa saber ajustar os limites, as distâncias necessárias para a auto estima se desenvolver.
Hoje ela sabe amar, pois, acima de tudo, aprendeu a ver o seu valor, aprendeu a se olhar não pelos olhos do fogo que não a ama, mas pelos olhos de quem dela sente sede.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

AMIZADE

Era uma amizade como poucas.
Quando queria sentir a lealdade, olhava para sua amiga.
Era uma amizade histórica.
Mas as histórias nem sempre são longas e a desta amizade foi curta.
Viveram momentos que outros não entenderiam, mas as mais belas estórias nem sempre são as mais extensas.
Esta é uma história curta, como esta amizade, mas profunda, como só os grandes sentimentos são.
O verdadeiro amor é solidificado aos poucos, no convívio do ceder, do renunciar, do amor ao próximo.
Foi assim que a menina e sua cachorra Susi se descobriram companheiras e amigas. Parceiras no jogo lúdico das brincadeiras, das maquinações no quintal, dos diálogos imaginários e das fantasias idealizadas.
Mas como eu disse, esta é uma história curta.
E num dia em que a menina se levantou num domingo, correndo para acordar sua amiga Susi ... Descobriu que ela não queria abrir os olhos.
Nem mesmo quando a menina gritou...
Nem mesmo quando a menina chorou...
Nem mesmo quando a menina retirou as formigas da sua boca...
Nem mesmo quando a menina caiu de joelhos...
A cachorra Susi não abriu mais os olhos, mas abriu os olhos da menina.
A menina abriu os olhos para aprender o amor ao sentir a dor da perda, aprendeu que nem todos têm os olhos abertos para nos enxergar com a beleza que possuímos, mas que nossos verdadeiros amigos jamais fecharão os olhos do coração para nós, mesmo quando os olhos físicos já não mais existirem.
Há amizades que rendem uma boa risada.
Há amizades que rendem uma boa lembrança.
Há amizades que rendem uma boa história.
E há as amizades que ultrapassam a morte e que carregamos o que aprendemos com nossos amigos na nossa conduta frente ao mundo.
E a menina aprendeu com sua cachorra a jamais fechar os olhos para o essencial da vida: amar, perdoar e enxergar além do óbvio.


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MATURIDADE


Quando eles se conheceram, ela tinha uma tinta esquisita nos cabelos e ele a achava um pouco grande demais para uma menina.
Mas mesmo assim desejaram se conhecer, pois existia muita curiosidade em descobrir o que o outro não dizia.
Quando eles se tornaram amigos, o jeito falante dela incomodava o silêncio dele.
Mas mesmo assim desejaram investigar a grande aventura que é a comunicação de um homem com uma mulher.
Quando eles passaram a namorar, foi difícil entender o romantismo dela e foi estranho dividi-lo com tantos amigos.
Mas mesmo assim eles desejaram dar uma oportunidade de compartilhar, de renunciar.
Quando eles se casaram, foi estranho para ele perceber que a casa tinha de estar como ela queria e foi surpresa para ela notar quantas coisas fora do lugar ele deixava.
Mas mesmo assim eles desejaram incluir o perdão na relação e ele foi muito usado.
Quando eles tiveram filhos foi elogiável a força que ela demonstrou para educa-los e foi engraçado o quanto ele tentava carrega-los nas brincadeiras.
Mesmo assim eles desejaram não confundir amor com dó e educaram com limites e disciplina.
Quando eles envelheceram, nunca tinha reparado como ela ficava mais linda com as rugas e o cabelo branco e ela nunca tinha percebido o quanto de vigor via nos olhos dele.
Mês mesmo assim eles desejaram continuar crescendo na vida, pois ainda eram crianças na arte de se fazer sábio e passaram a estudar os problemas e a se exercitar com os obstáculos para rejuvenescerem juntos.
Quando um deles morreu, ela não tinha dado conta do sorriso maroto que ficou nos lábios dele e ele ofereceu seu último suspiro para ela.
Mas mesmo assim, quando ele fechou os olhos, os dela é que se abriram e só aí ela entendeu que ninguém se casa por ter encontrado a pessoa certa... Mas por ter cruzado com uma pessoa que seguia pela mesma estrada certa que a sua. E ambos escolheram viajar juntos até que a morte os separasse...


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A FÊNIX

Esta é uma releitura particular e não muito fiel da lenda da ave Fênix.
Cada um sonha a sua vida como pode.
Nem sempre a vivemos como a queremos.
Mas a levamos como é possível.
A ave Fênix fazia parte desta categoria. Mas nem sempre foi assim.
Houve uma vez, uma época em que ela era ingênua, acreditava em todas as pessoas e não via maldade em nada.
Já reparou como o mundo pode ser uma grande ilusão? Uma grande vitrine onde se vendem expectativas, ideais e fantasias? Um grande hipermercado com prateleiras de promessas repletas de produtos de mentira em embalagens camufladas.
A Fênix não tinha boa visão nesta época.
A nossa visão vai melhorando conforme nossa idade avança. Começamos a ver além do óbvio, além das aparências, além do apresentável.
Mas a Fênix não viu o sol. Por que só olhou para ele com os olhos físicos e não com a perspicácia da maturidade.
Em muitos momentos as coisas estão à nossa frente e não vemos.As pessoas certas que passamos a vida toda procurando estão ali e não as enxergamos, pois as esperamos com as fantasias de nossos ideais, mas elas aparecem vestidas com a realidade. Sem o brilho áureo e encantador do que avaliamos como o amor de nossa vida, mas com o vislumbre tranqüilo de quem nos aceita como somos. De quem nos ama como estamos e sem pressa...
E o sol queimou a Fênix. Quanto mais alto ela alçava vôo, mais se queimava. Quanto mais se debatia, mais o fogo a consumia. Até consumi-la por completo e a transformar em cinzas ao chão.
O pensador Charles A. Beard diz que “a hora mais escura da noite é justamente aquela que nos permite ver melhor as estrelas”. Quando nos queimamos no sofrimento, na decepção, na traição de quem elegemos como a pessoa da nossa vida e esta pessoa nos transforma em cinzas... Aí então começa nossa verdadeira visão. Pois é desta cinza que a Fênix renasce como ave mais forte, mais completa...Mais viva.
Esta categoria de pessoas vive misturada a tantas outras, nas ruas, nos parques, empregos...Trabalham, vivem como todos.
Gostaria de conhecer uma Fênix?
Uma pessoa que renasce das cinzas da dor?
Há uma frase do filósofo alemão Nietzsche que diz que “quanto mais alto voamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar”.
Uma Fênix se mostra comum, sem glamour ou projeção social, simples na fala, humilde na vestimenta, porque não precisa provar mais nada. Já morreu para o que o mundo valoriza: status, dinheiro e competição.
Mas renasceu para o que importa: lealdade, fidelidade e amor.
Gostaria mesmo de conhecer uma Fênix?
Olhe com muita atenção ao seu redor: ela não é vista, é sentida. Pois quando você sentir o impacto emocional que ela provoca, quando sentir a paz por ficar perto dela, a vontade de vê-la mais e tê-la em sua vida... Então você achou a sua Fênix. Não a deixe solta para que voe longe, convide-a a habitar o seu coração.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

ENCONTROS

 

Ele andava cansado de ser o centro das atenções de tantas estórias de terror. Em todas seu nome era citado.
O Senhor Mistério sentia um tédio paradoxal: de tanto ser buscado, falado, escrito e visto nos cinemas, já havia perdido o mistério, o encanto.
Ele arrumou sua bagagem e decidiu ir embora, achar um sentido, encontrar quem ou o que lhe desse brilho novamente.
E o Senhor Mistério encontrou na sua estrada uma criança e por ela se encantou.
Quem sabe estaria ali um encontro divertido!?
___ Oi criança, qual é o seu nome?
___ Mimado.
___ Quem lhe escolheu este nome?
___ A vida. Pois tudo o que quero eu choro e consigo.
___ Quer viver ao meu lado?
___ Você vai me dar tudo o que quero?
___Não e posso te fazer sofrer.
___ Então vá embora, porque só fico com quem me dá tudo o que quero e façam as coisas do meu jeito.
E o Senhor Mistério se retirou.
A criança mimada preferia o egoísmo a ele. Não era perto de pessoas assim que desejava ficar.
Andando mais um pouco, o Senhor Mistério encontrou na sua estrada um homem com ares ocupado, parecia ser um sujeito legal.
Quem sabe estaria ali um encontro de verdadeiros amigos!?
___ Oi amigo, qual é o seu nome?
___ Negócios.
___ Quem lhe escolheu este nome?
___ Ávida. Porque tudo o que sou é o dinheiro que comprou. Vivo para negociar e aumentar minha riqueza.
___ Quer viver ao meu lado?
___ O que vou ganhar com isto? Meu dinheiro vai aumentar com esta parceria?
___ Não e eu posso lhe fazer sofrer.
___ Então vá embora, porque só me interessa quem pode me fazer ganhar mais, ter mais status e poder.
E o Senhor Mistério se retirou.
O homem de negócios preferia o materialismo a chance de viver o mistério. Não era perto de pessoas assim que desejava estar.
Andando mais adiante encontrou na sua estrada a moça mais bonita que já viu, se apaixonou de um jeito único.
___ Oi moça linda, qual é o seu nome?
___ Vaidade.
___ Quem lhe escolheu este nome?
___A vida. Porque não vivo sem os espelhos e sem a confirmação de que sou a mais linda de todas. Pois minha beleza é perfeita.
___ Quer viver ao meu lado?
___ Você vai me adorar como a mais linda?
___ Não e posso lhe fazer sofrer.
___ Então vá embora, porque só me interessa quem possa adorar minha beleza. Pois sou irresistível e belamente perfeita.
E o Senhor Mistério se retirou.
A moça bonita preferia o narcisismo a oportunidade de viver o mistério. Não era perto de pessoas assim que desejava estar.
Pensou em desistir de sua busca, afinal as pessoas não se interessavam muito por ele. Mas foi quando viu uma mulher vindo em sua direção. Quem podia ser? Não se parecia com nada igual e ao mesmo tempo nada a diferenciava do resto dos outros. Que tipo de encontro poderia ter com alguém assim?
___ Oi, qual é o seu nome?
___ Estou tentando descobrir.
___ Você não sabe como se chama?
___ Me chamam de muitas coisas, mas me pergunto se eles realmente me conhecem. Eu sei como me chamo, mas nem todas as pessoas ouvem meu nome.
___ Mas quem lhe escolheu seu nome? É tão diferente assim?
___ A vida. E ele não é diferente, é simples,é sem graça. E justamente por isto é que não sou valorizada. Mas eu nem ligo, sabendo eu quem sou já me basta.
___ Mesmo eu não sabendo quem é você, quer viver ao meu lado?
___ Você vai estar pronto para conviver com alguém que terá que descobrir diariamente quem é?
___ Quero correr o risco. E você estará pronta para conviver com algo que pode te fazer sofrer?
___ Quero correr o risco.
E assim o mistério se uniu à mulher.
E quando ele afogou-a na angústia, ela aprendeu a nadar...
Quando ele queimou-a com o fogo das paixões, ela aprendeu a se esfriar...
Quando ele soterrou-a com a terra do medo, ela aprendeu a cavar...
Quando ele jogou-a do cume de uma montanha, ela aprendeu a voar...
Quando ele colocou-lhe uma corda no seu pescoço para enforca-la, ela aprendeu a laçar e laçou o coração do Senhor Mistério.
Hoje eles andam juntos, vão se descobrindo a cada novo obstáculo. Para ele, ela se tornou uma mulher especial. Para ela, ele é o seu mistério.
Ah! Agora ela pode contar seu nome:
___ Maturidade.
Foi assim que as mulheres maduras, que não tem mais o vigor adolescente, nem a pele de criança, nem o pudor de uma virginal menina, passaram a exalar mistério.
Um mistério que só é desvendado para os homens que querem mais que uma moça bonita, que não vivem como crianças mimadas e que não querem morrer como meros homens obcecados por negócios e dinheiro.
São para estes homens que estas mulheres se desvendam, se mostram e ficam nas suas vidas.
Afinal, desde o dia em que a maturidade se encontrou com o Mistério, passou a existir mulheres interessantes que não nascem bonitas, se tornam ao longo da vida.
Esta estória é para lembrar que sempre existirão mulheres que ousam ser o que nem para elas mesmas teriam coragem de assumir.
São por elas que o Senhor Mistério se apaixona.