quarta-feira, 17 de novembro de 2010

– SER BRINQUEDO



Ela gostava de ficar até tarde na rua brincando com seus amigos. Cada um trazia um brinquedo e lá criavam um mundo de fantasias.
Os meninos com seus carrinhos e bicicletas e as meninas com suas casinhas e bonecas. Vez por outra algum garoto derrubava alguma boneca e vinha o choro seguido de uma voz de dentro da casa a gritar que se tivesse briga, todo mundo entrava.
Por causa de uns, todos corriam riscos. Então, não era simples brincadeira, era angústia, medo de que no melhor, por culpa de alguma chorona ou algum briguento, todos tivessem que entrar com seus brinquedos.
E assim, os fins de tarde para a noite e os fins de semana passavam. Nas férias podia ficar mais, mas no período escolar, as aulas atrapalhavam.
E na ambição infantil, sonhavam com o dia em que não precisariam mais ir para a escola e teriam todo o tempo do mundo para brincarem. O que ninguém contou para eles nesta época, é que quando o momento de acabar as aulas chegasse, também já havia passado bem antes disto a vontade de brincar. Afinal, na nossa sociedade, adulto não brinca com brinquedos infantis, só alguns que fazem de outras pessoas seus brinquedos pessoais.
Era sobre este papo que sua avó quis falar um dia.
Tudo por causa dela ter resolvido deixar suas bonecas para fora, num dia de chuva e elas quase estragaram. Sua avó limpou-as, trocou-lhes a roupa e deixou-as mais bonitas do que antes. O preço a pagar foi uma conversa séria com sua avó. Apesar do receio de que viria um sermão daqueles, sentou-se ao lado dela que passou a lhe contar uma estória:
“Era uma vez na floresta, um macaco muito feliz, muito comunicativo e que todos gostavam dele. Mas ele tinha um problema sério: não era dado a ouvir conselhos. Todos os finais de dias, havia na floresta um treinamento para os animais, pois em caso de incêndio, todos saberiam como se portar. Havia disciplina,regras e seqüências de repetições diárias que o macaco achava um absurdo. Já tinha participado das primeiras, ainda quando criança e de tanto ver, enjoou do blá...blá...blá... que não dava em nada. Afinal, nunca ocorreu um incêndio de verdade desde que estava vivo. Mas se precisasse, era só lembrar ...
Um ano mais tarde o macaco se viu frente a frente com o maior incêndio que se tinha notícias há décadas naquela região. Também se viu frente a frente com sua memória, mas na emergência da situação com o pavor das emoções, descobriu que ela não funcionava tão bem nestas condições. Os animais que diariamente treinavam, mais do que saber, desenvolveram uma estrutura por todos estes anos para suportar e resistir ao incêndio. E o macaco engoliu muita fumaça, não teve forças nos braços para escalar as árvores mais latas e impulso necessário para pular para outras de forma tão rápido, pois não treinou. Ele foi o único a morrer no incêndio”.

A avó abraçou a menina dizendo que a morte do macaco não se deu pelo fogo, mas pela soberba. Pois achava que já sabia tudo e lhe faltou humildade. O segredo da vida é o treino repetitivo que nos submetemos diariamente. Se ele tivesse treinado no mínimo, teria conseguido no máximo.
Com muita delicadeza explicou à neta que cuidar dos seus brinquedos era o seu treino para aprender a lidar com o mundo e a sobreviver nele.
Se ela não tiver como treino o cuidado diário, o carinho, o amor e respeito pelos objetos que tem, quem dera com coisas maiores.
Disse-lhe ainda que seus brinquedos eram sua primeira relação afetiva com o mundo. Sua chance de treinar qualidades e desenvolver habilidades ao tratar outras pessoas, para não correr riscos mais tarde de fazer delas seu brinquedo e acabar brincando com suas vidas e sentimentos.
Esta menina aprendeu com sua avó carinhosa que mesmo quando o mundo faça de nossas mais preciosas emoções seu brinquedo predileto; que mesmo quando aqueles que mais amamos brinquem com nossa confiança e respeito, temos um Criador que nos deixou exemplos de um treinamento que nos salva: os gestos de amor que ainda presenciamos na vida.
Por isto, não podemos desperdiçar tempo sem treinar. Pois amanhã o mundo pode incendiar nossa vida, derrubando tudo o que temos e talvez a única coisa que sobreviva em nós é a estrutura de sabermos que somos melhores que o mundo, por termos a sabedoria de tratar a tudo e a todos com amor.


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